sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

42 Parte I: métodos

Em aguns dos posts anteriores mencionei problemas que podem surgir devido ao uso de certas definições comuns. No último post o Rafael fez algumas sugestões referentes à continuação do assunto (desconsiderem os primeiros quatro comentários que aparecem lá =p ). Gostei das sugestões e resolvi escrever sobre esses assuntos. Porém decidi reservar mais de um post para isso ( pelo menos dois ), pois há muitas questões envolvidas ( algo como "a vida o universo e tudo mais"  =p ), de maneira que abordar o assunto em um mesmo post, mesmo que de maneira superficial, poderia ser um tanto quanto inviável (especialmente quando a blogueira é um tanto quanto prolixa). Neste primeiro post pretendo abordar questões referentes aos fundamentos do problema: uma espécie de contextualização. Um dos objetivos dos posts é discutir questões referentes ao teorema da incompletude de Gödel, o que não vai ser feito nesse primeiro post.

Comecemos analisando o cerne da questão das definições: a metodologia que usamos para construí-las.  A descoberta de uma metodologia assustadoramente eficiente, capaz de permitir, dentre outras coisas, a construção de definições e análise das conseqüências dessas definições, constitui um dos pilares dos maiores avanços (registrados) da humanidade em  termos de conhecimentos e aplicações. Essa metodologia nos permite construir o que chamamos linguagens formais, ou linguagens matemáticas (não confundir "linguagem matemática" com "matemática"). A base da metodologia consiste  em separar um conjunto de símbolos (às vezes chamados signos) cujo significado deve ser totalmente estabelecido (ou seja, com ambigüidade controlada), não possuindo qualquer significado além do que lhes é explicitamente atribuído. Constroem-se então regras que estabelecem de que maneira podemos manipular e combinar os signos (regras de formação e transformação). Essas regras, em princípio, podem ser totalmente arbitrárias. O resultado desse tipo de abordagem é que muito provavelmente o nosso sistema será inconsistente, isto é, permitirá a existência de contradições internas. Esse tipo de fenômeno impõe limites no modo como construímos o nosso sistema. Mas e por que descartar sistemas construídos de maneira inconsistente? Voltemos à questão dos paradoxos, mencionados no post anterior. Um paradoxo pode ser representado por uma fórmula inconsistente, cuja negação implica em sua afirmação e cuja afirmação implica em sua negação (no post anterior o tipo de paradoxo mencionado era um pouco diferente). Temos aqui uma indeterminação lógica, ou seja, obtemos um resultado "vazio": não podemos tirar conclusões sobre a validade dessa proposição.

A partir dos símbolos e das regras de formação construímos as fórmulas, chamadas axiomas, que constituirão nosso sistema. Esses axiomas não devem poder ser obtidos uns dos outros, caso contrário poderíamos eliminar os axiomas excedentes (navalha de Occam). Podemos então, através dos métodos de transformação e a partir dos axiomas, derivar outras fórmulas, chamadas teoremas. Os teoremas também podem ser obtidos através das regras de formação, assim como fizemos com os axiomas. Nesse caso é necessário demonstrar que esses teoremas decorrem dos axiomas. Se pudermos provar que existe algum teorema, obtido através das regras de formação, que não decorre dos axiomas, porém é uma verdade dentro do sistema (não gera problemas de consistência), teremos provado que esse sistema é incompleto. Há ainda a questão da consistência: se pudermos provar que dois teoremas contraditórios decorrem dos axiomas, teremos provado que nosso sistema é inconsistente.

Voltemos à questão das definições. Existe um sistema, construído através do uso de metodologias análogas àquelas que descrevi, chamado Teoria dos Conjuntos. Nesse sistema existe uma entidade chamada classe. Mais específicamente, existe um tipo especial de classe, chamado classe de equivalência. Fazer uma definição, por definição, significa separar elementos em classes de equivalência: quando fazemos uma definição na realidade estamos separando objetos em grupos diferentes de acordo com determinadas propriedades satisfeitas ou não pelos objetos (dito em linguagem totalmente informal).  Formalmente, uma classe de equivalência é uma classe cujos elementos pertencem a um subconjunto R, chamado relação de equivalência:

ou seja, a relação de equivalência R está contida no conjunto formado pelo produto cartesiano entre um dado conjunto A e ele mesmo (caso particular do produto cartesiano). Além disso uma relação de equivalência deve possuir as três seguintes propriedades (sendo a,b e c elementos do conjunto A):
  1. Reflexividade: o par ordenado (a,a) pertence a R.
  2. Simetria: se o par ordenado (a,b) pertence a R, então o par ordenado (b,a) também pertence.
  3. Transitividade: se o par ordenado (a,b) pertence a R e o par ordenado (b,c) pertence à R então o par ordenado (a,c) também pertence à R.
Toda relação de equivalência possui um ou mais subconjuntos, chamados classes de equivalência, os quais contém ao menos um elemento de R (cada  elemento de R pertence a uma única classe).

Podemos agora analisar mais um aspecto da diferença entre linguagens formais e não-formais. As definições que fazemos freqüêntemente possuem problemas: geram contradições, ambigüidades não controladas, etc.. Existem, inclusive, definições não-formais dentro de áreas sérias de pesquisa que apresentam problemas quando analisadas formalmente (usando classes de equivalência). Um exemplo é a definição biológica de espécie (o problema ocorre na terceira propriedade das relações de equivalência: espécies em anel não obedecem essa propriedade). Por esses e por outros motivos, devido à maneira como linguagens não-formais são construídas, devemos ser muito cuidadosos ao obter informações em linguagem não formal (as do meu blog, por exemplo =) ). Eis a desvantagem da filosofia da ciência frente à ciência: erros filosóficos são extremamente comuns e altamente fáceis de cometer. Além disso a verificação desses erros pode não ser viável se utilizarmos apenas linguagens informais (o que não significa que se usarmos linguagens formais resolveremos todas as possíveis questões filosóficas, principalmente se houver uma quantidade infinita delas, também não significa que informações em linguagem não-formal devam ser descartadas). A questão se resume ao fato de que há métodos que se mostram tremendamente mais eficientes do que outros em uma quantidade absurda de situações: eis o que faz da ciência algo tão assustadoramente útil e belo.

8 comentários:

  1. Sandi, o post ficou muito bom mesmo!
    Aguardo a continuação com ansiedade, para descobrir qual é a "pergunta formal" cuja resposta é 42... hehe.
    Boa semana!
    Rafael

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  2. heeheh ok Rafael, assim que eu descobrir eu digo... =)
    Boa Semana!

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  3. Tal pai tal filha...

    (Assustador é chegar a achar por uns momentos que é o teu pai escrevendo, não tu...)

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  4. é, já me disseram isso...
    vou interpretar isso como um elogio =)

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  5. Sandinha, também gostei. E estou aqui de prova que teu pai anda super ocupado, sem tempo pra publicar nos blogs das filhas, eh eh eh.

    Beijinho

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  6. aiaiai heheh isso tah ficando cada vez melhor heheh

    ps: não conta pra ninguém que ele tá preparando minha tese de doutorado =p

    bjinhus S2

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