sábado, 22 de setembro de 2018

A Filosofia e a Matemática



 Vou ter que ser sincera com vocês, esse post é na verdade uma desculpa pra postar o vídeo da música que a minha querida irmã gêmea, Aline Lütz, compôs e gravou, sobre filosofia e matemática... \o/


Maaaas, esse vídeo nos dá uma excelente oportunidade para discutir umas questões que considero bem importantes, mencionadas na letra da música. A Aline escreveu essa música com base nesse conto, escrito pelo excelentíssimo senhor meu pai, Eduardo Lütz. A idéia foi criar uma analogia para explicar os fundamentos da filosofia e da matemática, aproveitando para questionar o modo como muita gente enxerga essas coisas. O conto original basicamente retrata a origem do método científico e de uma série de filosofias (dica: Natan representa um físico famoso, e Dórian um biológo famoso XD ). Na analogia, Filosofia é o nome de uma espécie de vilarejo. As pessoas que moram ali, acreditam que não existe nada além de Filosofia. Assim, todos os fenômenos observados ali dentro são considerados parte da Filosofia. Um desses fenômenos é a presença de água em poços que foram cavados em algum momento, muito antes da civilização atual. Essa água é chamada de matemática, mas na confusão os poços acabam recebendo o mesmo nome, matemática. Além disso, eles acreditam que os poços e a utilidade da água, a matemática, são bem limitados a certos contextos. A necessidade de beber água, por exemplo, é bem concreta, é fácil perceber a sua utilidade nesse contexto. Mas não dá pra ir muito além disso,  na opinião deles. Afinal, os poços com água são um pedacinho da Filosofia, sua utilidade deve ser limitada. No entanto, nesse vilarejo existem algumas pessoas, chamadas de exploradores, que procuram investigar a natureza da água,  qual o seu papel na manutenção da Filosofia e os limites dos poços. Esses exploradores descobrem que a água, na verdade, é o que sustenta todo o vilarejo, e que a Filosofia é apenas um vilarejo em uma barca minúscula dentro de um oceano infinito, a matemática.
 O problema é que a maior parte
das pessoas não entende em que consiste o trabalho dos exploradores. Não apenas acham que é uma perda de tempo e recursos, mas também acham absurda a idéia de que aqueles "poços com água" sejam infinitos e sustentem não apenas a Filosofia, mas infinitas outras barcas. É claro que eles não entenderam que os poços e a água são coisas diferentes. Mas essa às vezes parece ser uma barreira quase intransponível nas discussões.

Como eu mencionei antes, o conto vai mais longe do que a música e entra em uma série de outras correntes filosóficas que surgiram ao longo da evolução do conhecimento. Mas vamos nos focar na questão da filosofia e da matemática. A analogia tem a ver com uma série de questões, por exemplo, como muita gente define matemática: um tipo de linguagem. Na verdade as diferentes linguagens matemáticas, que usamos para descrever coisas, seriam equivalentes aos poços na analogia (no conto, os poços acabam abrangendo outras coisas também). Matemática então seria o que está por trás disso: características da realidade que podem ser obtidas por qualquer um com capacidade de raciocínio e experiência apropriada (ser humano ou não)  usando uma linguagem matemática qualquer. Para muita gente, porém, essa diferenciação não faz sentido, matemática é apenas outra invenção da mente humana. Nesse contexto, a filosofia passa a ser a base de tudo, é o modo como organizamos o conhecimento, e para nós humanos isso é tudo o que importa. Notem que nesse ponto a pessoa já criou toda uma estrutura mental em camadas na maneira de entender as coisas. O que eu quero dizer com isso é que as pessoas armazenam mentalmente diversas idéias sobre a realidade, e essas idéias vão formando camadas de dependência (a idéia de que a filosofia é mais geral do que a matemática, por exemplo, é uma consequência da idéia de que a matemática é uma invenção da mente humana, então a primeira estaria uma camada acima da segunda). Por isso discussões sobre esses assuntos costumam ser complicadas. Às vezes, escolhemos um tópico qualquer pra discutir, mas as camadas anteriores a esse tópico não são as mesmas para todo mundo (especialmente pessoas de áreas diferentes, com diferentes experiências). Esse quadrinho que coloquei num poste anterior ilustra bem isso:
Mas um ponto importante nessa discussão toda é que para muita coisa nessa vida, não precisamos ficar especulando filosoficamente sobre coisas. Diferentes argumentos têm diferentes consequências práticas. Embora muitas vezes essas consequências não sejam óbvias para todo mundo, elas não apenas existem, como inviabilizam uma série de argumentos.  Um exemplo clássico é um questionamento sobre o fato de todos os elétrons serem iguais, afinal, "você já viu todos os elétrons para saber se eles são iguais?". O problema é que se os elétrons não fossem indistinguíveis, os efeitos sobre a realidade seriam catastróficos, a começar pela química por exemplo. Se os elétrons não fossem iguais, poderiam ocupar o mesmo estado ao mesmo tempo (Princípio da Exclusão de Pauli) e elementos químicos seriam inviáveis.  Assim como nesse caso, muitos das afirmações que são feitas por aí sobre matemática não fazem sentido de um ponto de vista prático, embora as consequências sejam menos óbvias para a maioria das pessoas. E o debate continua, as always. :)

sábado, 15 de setembro de 2018

Reducionismo e Fenômenos Emergentes



Sociólogos:
Psicólogos: - sociologia é apenas psicologia aplicada
Biólogos: - psicologia é apenas biologia aplicada
Químicos: - biologia é apenas química aplicada
Físicos: - que é apenas física aplicada. É bom estar no topo... 
Matemáticos: - ah, oi gente, eu não vi que vocês tavam por aí

Nessa postagem quero falar um pouquinho sobre um tipo de abordagem que usamos o tempo inteiro em física, extremamente útil e que nem sempre  recebe o crédito merecido, o reducionismo.  De modo geral, o reducionismo é uma abordagem do tipo "Dividir e Conquistar". A idéia é que podemos pegar um problema complexo e dividir em problemas mais básicos e mais fáceis de resolver. Existem muitas maneiras de aplicar esse método, algumas delas tão inúteis que só servem de saco de pancada em textos de filosofia da ciência com um pézinho (e provavelmente o resto do corpo também) em abordagens holistas. Mas pera aí, o que é uma abordagem holista, e por que muita gente acha que ela tão melhor do que o reducionismo? Bom, holismo é basicamente o gêmeo mau do reducionismo (ou o gêmeo bom, dependendo do ponto de vista).
Se no reducionismo procuramos descrever um sistema a partir de propriedades mais elementares, no holismo consideramos propriedades do sistema como um todo, sem levar explicitamente em conta os elementos constituintes. Felizmente não precisamos ficar especulando sobre qual abordagem é melhor, podemos olhar exemplos reais de boas aplicações desses métodos. Nesse contexto, um dos melhores exemplos que conheço é o caso da Termodinâmica e da Mecânica Estatística. Esse exemplo é perfeito pra essa discussão justamente por que essas duas áreas da física usam abordagens diferentes para estudar a mesma coisa (grosso modo). Na termodinâmica, utilizamos uma abordagem holista. Consideramos propriedades globais do sistema,  como temperatura, pressão, entropia, etc, e como essas propriedades variam através de diferentes processos. Notem que essas propriedades são estudadas sem levar em conta explicitamente o comportamento das partículas que formam o sistema. No caso da mecânica estatística, esses comportamentos são levados explicitamente em conta através de teoria de probabilidades. Nesse caso, a abordagem utilizada é reducionista, e a temperatura, por exemplo, é uma propriedade emergente que surge como consequência de certos comportamentos das partículas. Aqui entramos numa outra questão importante e super legal que quero discutir nesse post, emergência.

Emergência (no sentido de algo que emerge), são padrões que surgem devido ao modo como as componentes do sistema se comportam em conjunto. A pressão, por exemplo, é uma característica que se deve às colisões frequentes das partículas com superfícies no ambiente. Ironicamente, uma das principais críticas em relação ao reducionismo afirma que propriedades emergentes são um problema nesse contexto, uma vez que essas propriedades são características globais do sistema, e como "o total é mais do que a soma das partes", não observamos essas características olhando apenas as partes. Notem que essa crítica se baseia numa idéia ingênua de como usamos reducionismo na prática (que, como frequentemente acontece com muitos outros métodos, não tem nada a ver com o que é dito em muitos livros de filosofia da ciência).
reducionismo ingênuo
Reducionismo não significa (ou, no mínimo, não tem que significar) pegar a serra elétrica, cortar o sistema em pedacinhos e esquecer pra sempre como os pedacinhos se encaixavam originalmente. A sensação que eu tenho quando vejo diferentes críticas em relação ao reducionismo é que houve um efeito de telefone sem fio aí em algum momento (que é a sensação que eu tenho quando leio certos livros de filosofia da ciência, mas acho que já ficou clara a minha opinião sobre eles, né?! XD). Diferente do que a crítica sugere, usar reducionismo não implica em picar o sistema fria e cruelmente, e sim tentar descrevê-lo a partir das componentes mais básicas, levando em conta como essas componentes interagem, se necessário ou factível for...

Voltando ao caso da mecânica estatística, por exemplo, nessa área conseguimos ir muito mais longe do que na termodinâmica justamente por levarmos em conta as componentes básicas do sistema. Não apenas reproduzimos os resultados que a termodinâmica fornece, mas conseguimos descrever aspectos que a termodinâmica não é capaz.

Num próximo post pretendo falar um pouquinho sobre uma área do meu trabalho que envolve propriedades emergentes. Até algum dia a próxima! :)