sábado, 31 de março de 2018

Realidade Vs Representações

Neste post, resolvi falar sobre um assunto que acho muito interessante, que tem trocentas implicações em tudo que é área: representações/modelos.


O cérebro humano é uma máquina fantástica, cheia de
 mecanismos que nos permitem lidar com o mundo ao nosso redor. Um desses impressionantes mecanismos, é a capacidade de criar representações de tudo, consciente e  inconscientemente. Tudo o que vemos e sentimos são representações da realidade. Essas representações nos permitem fazer uma quantidade absurda de previsões, desde as mais "básicas" (que de básicas não tem nada), como pegar ou desviar de um objeto que venha em nossa direção, até previões de mais alto nível (mais conscientes), como os tipos de comportamentos esperados em diferentes situações sociais (sim, alguns aprendem melhor do que outros XD).

Todas essas representações formam uma espécie de modelo mental (ou modelo interno) da realidade, e é a partir desse modelo que a nossa mente faz suposições sobre o ambiente,  as quais vão sendo aperfeiçoadas com as experiências. Mas embora esse modelo seja extremamente útil, e obviamente tenha conexão com a realidade, ele não é A REALIDADE, mas sim uma cópia barata (literalmente, ou quase), que tende a ignorar detalhes, a não ser que eles sejam muito necessários (detalhes custam caro para o cérebro). Uma consequência interessante são as ilusões de óptica, que acontecem por causa do modelo simplificado da realidade que o nosso cérebro usa para interpretar imagens (na figura ali do lado os quadrados A e B têm na verdade a mesma cor!).
Um detalhe que acho bastante importante comentar aqui é que, embora esses modelos que criamos para entender o mundo ao nosso redor não sejam "A Realidade",  afirmar que tudo não passa de  uma criação da nossa mente, ou ainda desconectar completamente esses modelos da realidade em si, é beeem arriscado e provavelmente não prático. Afinal de contas, embora as cores, por exemplo, sejam uma forma do nosso cérebro interpretar certos fenômenos físicos, esses fenômenos existem de fato (ok, alguém poderia questionar que eu não tenho como ter certeza que eles existem de fato, pode ser tudo uma ilusão; essa é um discussão longa, mas basicamente  entramos na questão de quão prática é essa idéia - tudo o que eu posso dizer é que essa ilusão é realista e coerente o suficiente pra que seja super prático assumir que ela é a realidade).

Bom, voltando a modelos mentais, uma outra consequência um pouco mais subjetiva tem a ver com aqueles que construímos e modificamos com o tempo de maneira um pouco mais consciente (ou subconsciente). Esses modelos envolvem desde situações corriqueiras do dia a dia, passando por como entendemos as pessoas, até filosofias em geral e visões de mundo. Por exemplo, quando nos relacionamos com outras pessoas, tendemos a construir, automaticamente, modelos mentais (genéricos ou não) que descrevam os comportamentos dessas pessoas. Então, para entendê-las geralmente encaixamos seus comportamentos nesses modelos (que podem ir sendo aperfeiçoados com o tempo). Isso explica porque psicopatas frequentemente passam despercebidos: pessoas com empatia tendem a entender outras pessoas sob um filtro "empático" (eu tenho empatia, então meu coleguinha também tem). O problema é que usar um modelo mental envolvendo empatia para entender (ou, pior ainda, tratar) psicopatas é um tiro no pé (como fica óbvio em diversos documentários, incluindo esse).

Bom, voltando pro lado menos disburbing da questão, nossas visões de mundo também têm um papel bem importante na maneira como entendemos uma série de fatos: "eu acredito em Deus, e a beleza da flor é uma evidência da criação..." ou "eu não acredito em deus, e todo o mal no mundo é uma evidência da não existência de deus". A tendência aqui é encaixar fatos nos nossos modelos mentais da realidade. Chegamos aqui numa questão importante: existe algum jeito mais objetivo de construir/avaliar modelos? A resposta é sim, se chama ciência/método científico (sobre o método científico, já escrevi esse post e esse). Nesse caso, a idéia é construir explicitamente modelos formais (sobre métodos de formalização, fiz uma introdução aqui) de algum aspecto da realidade que queremos estudar. Como sempre bato na tecla, matematizar problemas (usar ferramentas matemáticas) nos permite observá-los de maneira muito mais objetiva e muitas vezes tirar conclusões não intuitivas. Os exemplos estão por toda a parte e muito provavelmente voltarei a falar sobre isso. Mas um fenômeno que acho interessante, e que me motivou a escrever esse post, é como as pessoas interpretam de maneira tão diferente esses trocentos exemplos que eu disse que estão por toda parte, principalmente pessoas com formações diferentes.
O fulaninho A passou a vida criando e aperfeiçoando um modelo mental da realidade (aquele mais subjetivo, que serve para entender como a realidade funciona). Depois de um certo tempo, as bases de seu modelo estão mais ou menos fixas, e ele geralmente não volta lá pra confrontar essas bases com novas informações, ele nem lembra que muitas delas estão lá, afinal elas são "A Realidade". Sim, existem métodos que permitem analisar as coisas de maneira mais objetiva, mas é importante saber usar as ferramentas corretamente e de vez enquado olhar mais a fundo as "verdades autoevidentes" que o cérebro assume...