"And now, for something completely different..." (maybe not that different)
E como se não tivessem se passado 6 anos desde a minha última postagem, ressurjo das cinzas (diferente da popularidade dos blogs) pra postar algo um pouco diferente dos temas usuais.
Já não sou a mesma pessoa daquela de 6 anos atrás, o que na verdade é uma motivação a mais para voltar a escrever e a explicação do porquê disso entra também no assunto dessa postagem.
Vamos primeiro ao óbvio. Nossas criações, sejam elas textos de blog, poesias, pinturas, músicas, etc, refletem partes nossas: modos de pensar, gostos, instintos, reflexões, e tudo o mais que couber dentro dessa subcaixinha de surpresas que não obedece à geometria euclidiana (maior por dentro do que por fora), que é a nossa mente. Algumas dessas coisas são conscientes. Sim, provavelmente só algumas mesmo. Maaaas, mesmo que a gente foque apenas nessa partes, aqui a gente já consegue observar nossas criações sob uma perspectiva de autoconhecimento. Por exemplo, como elas foram mudando (ou não) ao longo do tempo e o que gerou as mudanças. O que foi adicionado e o que foi perdido. Como os interesses, necessidades de expressão, influências de ambientes e pessoas foram mudando e alterando as criações. E com isso em mente, acho que agora podemos focar especificamente na arte e nas partes menos conscientes dos processos de criação.
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falando sobre arte, essa é a minha aquarela preferida, feita a partir de um tutorial, mas que depois passei a considerar como uma boa descrição de como gosto de enxergar o mundo. |
Como comentei, o processo de criação permite colocar pra fora partes conscientes de nós mesmos. Mas essas partes funcionam como burros de carga "multidimensionais" que transportam uma infinidade de partes menos conscientes (provavelmente dentro de um espectro que vai do subconsciente pro inconsciente). Podemos entrar então no próximo ponto envolvendo autoconhecimento: retroalimentação. Refletir sobre nossas criações às vezes nos permite descobrir coisas sobre nós mesmos. Perceber isso de uma forma mais consciente e explícita me permitiu passar a usar esses processos também como ferramentas pra entender e organizar o que acontece dentro da minha cabeça.
Mas obviamente a beleza da arte e dos processos de autoconhecimento vai muito além disso. As artes que eu chamo de "poéticas" (aquelas que conseguem abraçar um universo de coisas de maneira significativa sem ser excessivamente vagas) permitem que pessoas diferentes, em contextos diferentes, se conectem de formas diferentes à arte de outras pessoas. Isso é verdade para qualquer tipo de arte, acho. Mas aqui quero focar nas artes "poéticas" (que podem incluir artes visuais), que são o meu tipo preferido de arte. Assim como as nossas próprias criações, a nossa conexão com as artes poéticas de outras pessoas nos permite colocar pra fora coisas internas, e com isso potencialmente entender melhor essas coisas. A música é provavelmente o exemplo mais universal. Eu acho lindo como uma música bem feita consegue conectar pessoas com histórias de vida totalmente diferentes, passando por situações diferentes. Pessoalmente, acho que a música é extremamente útil para extravasar emoções que às vezes não entendemos direito. Provavelmente por isso sou bem eclética. Diferentes músicas têm diferentes mensagens que vão muito além das letras. Essas mensagens têm a capacidade de se alinhar com as nossas emoções. Se você adora música e tem sensibilidade a esse alinhamento, esse processo permite entender emoções que às vezes não são muito claras. Claro, esse processo também pode reforçar emoções negativas, já que envolve retroalimentação (uma espécie de processo de "ressonância", quem sabe?).
Outro exemplo de arte poética é, obviamente, a poesia. Amo como as poesias permitem expressar muitas coisas diferentes, não necessariamente conectadas, em poucas frases. Talvez por causa disso, uma mesma poesia pode continuar ressoando com a gente ao longo do tempo, por razões diferentes.
Termino esse post com a única das minhas poesias que não perdi (por ter postado ela no blog). Quem sabe assim eu me motivo a voltar a escrever poesia. Apesar de muito simples, essa poesia sempre ressoou de alguma forma comigo. Na época em que escrevi ela, eu estava refletindo sobre um monte de coisas diferentes, incluindo decisões em geral, medo de mudanças, desapego de certezas, arrependimentos, obstinação, inevitabildade de sofrimentos, otimismo frente a mudanças, e como pequenas diferenças nas nossas escolhas podem nos levar pra lados totalmente diferentes (a borboleta é, em parte, uma menção ao efeito borboleta). Apesar desse poema nunca ter deixado de ressoar comigo, até pelas questões envolvidas nele, a forma como entendo ele em diferentes épocas não é exatamente a mesma. Uma série de coisas foram se modificando conforme fui atravessando por diferentes experiências. E as experiências foram se encaixando nele de maneiras diferentes. É a beleza das artes poéticas e dos processos de retroalimentação das nossas criações...
Se eu pudesse...
E se eu pudesse encontrar
todas as causas e razões,
continuaria a buscar
desmancharia as ilusões.
E se eu pudesse descobrir
por que corremos sem pensar
e nem paramos pra ouvir
e desviamos o olhar.
Desaprendemos a escutar,
já não sabemos refletir
no que nos faz caminhar,
já não podemos sentir.
E se eu pudesse aprender
o que faria a diferença,
qual o ramo percorrer,
eu mudaria a sentença?
O tempo voa como o vento,
à noite vem o temporal,
trazendo grande tormento
à borboleta e ao pardal.
O vôo traz a ventania,
o dia surge no final,
trazendo junto a harmonia,
levando embora o vendaval.
O que sabia não mais sabe
se o que se sabe se sabia,
sabendo que não soube
saber se saberia
que o vento a soprar
sempre continuaria
e o que estivesse a chegar
apenas surpreenderia.
E se eu pudesse caminhar,
a pé eu andaria,
procuraria não pisar
em quem já era, e foi um dia.
E se eu apenas pudesse...
encontraria o lugar
e a maneira eu buscaria
fazendo o vento regressar
ao futuro eu retornaria....