sábado, 16 de fevereiro de 2019

Geometria, Buracos Negros, a Tardis e o Título do Blog - 10 anos de Blog




Há mais ou menos 10 anos atrás eu escrevia a primeira postagem desse blog: uma poesia bastante pessoal que acabei apagando um tempo depois (isso explica por que a primeira postagem oficial do blog, que também é uma poesia, se chama "mais uma").  Nessa mesma época, escolhi o título que mais parece um texto, por que eu quase não sou prolixa para o blog: a vida é uma caixinha de surpresas que não obedece a geometria euclidiana. Agora, depois de 10 anos, me dei conta de que nunca me dei ao trabalho de escrever um post sobre esse título. Então acho que já está mais do que na hora. :)

Bom, pra quem passou muito tempo sem acesso à civilização humana e não sabe, naquela época um grupo de comediantes, os Melhores do Mundo, ficou muito conhecido por um "discurso motivacional" que eles faziam, contando sobre a vida de Joseph Climber, um personagem fictício nada afortunado, digamos assim (você pode assistir aqui).


Uma das frases desse show que ficou mais famosa foi "a vida é uma caixinha de surpresas", geralmente dita antes de algum desastre acontecer com o Joseph.

Esse vídeo me fez rir até doer pelo menos umas 100 vezes pensar bastante sobre como a vida é tão cheia de surpresas que se ela fosse uma caixinha provavelmente seria muiiiito maior por dentro. Então se você pudesse olhar ela por fora, pensaria que a quantidade de coisas ali dentro seria bem menor do que de fato é, e por isso a vida te surprenderia (positiva ou negativamente) tantas vezes, mesmo quando você achasse que já esgotou todas as possibilidades. E é aí que entra a geometria e a história fica interessante.

Tesserato


A geometria é aquela área da matemática que trata de formas, tamanhos e distâncias no espaço. Diversos conceitos básicos de geometria já eram conhecidos desde a época dos antigos egípcios, por causa da necessidade de medir as terras, já que as cheias do Nilo destruiam as delimitações entre essas  propriedades.  Mas lá pelo século III a.C  aconteceu algo muito importante nessa área. Um matemático chamado Euclides organizou o conhecimento em geometria desenvolvido até então e propôs um sistema com 5 axiomas que seriam a base da geometria. Aqui acho que é importante lembrar que axiomas nada mais são do que componentes de uma definição. Por exemplo, uma brasileira pode ser definida pelos seguintes axiomas:
  • Uma brasileira é um ser humano
  • Uma brasileira é uma mulher
  • Um brasileira é alguém nascido no Brasil ou naturalizado brasileiro
Euclides fez algo parecido com a geometria. Propôs 5 axiomas, ou postulados, a partir dos quais seria possível obter tudo o que se sabia nessa área. A geometria que surge desses postulados é uma geometria plana, em que não há volumes. O quinto desses postulados é aquele que diz que duas retas paralelas nunca se encontram (só no infinito). Esse quinto postulado incomodou matemáticos por muitos séculos. O que eles achavam era que esse postulado pudesse decorrer dos outros quatro, e nesse caso ele não seria parte da definição, apenas uma consequência, e por tanto seria redundante manter ele na posição de postulado. Só que eles não conseguiam provar isso de jeito nenhum. Notem que na definição de brasileira que coloquei ali em cima acontece algo assim. O axioma "Uma brasileira é um ser humano" é desnecessário já que o segundo postulado diz que uma brasileira é uma mulher, e até onde sabemos uma mulher é necessariamente um ser humano. Já no caso do quinto postulado de Euclides não foi bem assim. No século XIX alguns cientistas, incluindo Gauss, e depois Riemann (aluno de Gauss) desenvolveram as geometrias não euclidianas, que surgem quando o quinto postulado não é levado em conta (o que significa que ele faz diferença sim, não decorre dos outros postulados). Nesse caso a geometria deixa de ser plana e passa a ser possível descrever fenômenos como a gravidade, que é uma curvatura do espaço-tempo.

-Não é verdade. Linhas paralelas se encontram sim. Inclusive, Pedro, estou grávida.


Ok, mas e o que isso tem a ver com a tal da caixinha maior por dentro do que por fora? Bom, com as geometrias curvas surgem possibilidades muito interessantes, inclusive a gravidade, como mencionei. Entre essas possibilidades surgem os objetos maiores "por dentro do que por fora". Um exemplo real desses objetos são buracos negros.


 Um buraco negro é o estágio final de uma estrela super massiva, que por não ter mais como produzir energia suficiente, no seu interior, para compensar o peso da sua matéria, acaba colapsando em um objeto menor com uma gravidade tão intensa que nem a luz consegue escapar. Como eu comentei antes, a gravidade é consequência da curvatura do espaço tempo, então efeitos gravitacionais intensos significam deformações maiores no espaço e no tempo. Pra entender essas deformações imagine que mapeamos o espaço e o tempo em quatro eixos, 3 de espaço e um de tempo.


exemplo com 2 dimensões de espaço
O que acontece ao redor de objetos massivos é que o eixo de tempo se inclina em direção a eles. Quanto mais perto do objeto maior é o efeito, e mais devagar passa o tempo (e é por isso que somos puxados em direção à terra,  analogamente ao que acontece quando uma das rodas dianteiras de um carro anda mais devagar que a outra, fazendo ele girar em torno daquela roda).  No caso do buraco negro esses efeitos são tão intensos que no seu interior, do ponto de vista de quem está do lado de fora, o que era dimensão de tempo passa a ser de espaço enquanto que uma das dimensões de espaço passa a ser a dimensão de tempo. Nesse caso o volume dentro de um buraco negro é infinito (uma das dimensões de espaço ocupa todo o eixo que era de tempo fora do buraco negro, com o passado, presente e futuro), enquanto do lado de fora ele é um "esferóide" de tamanho finito. Ou seja, finito por fora e infinito por dentro.

Esse é um exemplo bem extremo. Poderíamos pensar em efeitos gravitacionais menos drásticos. Mas existem outras possibilidade conceituais de objetos maiores por dentro do que por fora que são bem interessantes também, como é o caso da Tardis, a famosa nave do Dr. Who. No caso dela, o que acontece é que no seu interior é possível acessar outras dimensões (o número de dimensões acessadas no interior seria maior do que do lado de fora de modo que a área superficial de dentro seria maior do que a de fora e você teria acesso a fatias tridimensionais desse espaço). Esse vídeo do Because of Science dá uma explicada rápida na idéia (na segunda metade do vídeo) de um jeito bem didático, com direito a desenho:
 

Voltando então à questão do surgimento do blog, a minha idéia era explorar algumas das surpresas contidas nessa caixinha bem maior por dentro do que por fora, que é a vida, de um ponto de vista um tanto quanto nerd. E aqui estamos nós, 10 anos e 5 postagens depois  :-p.  Allons-y!


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