Por que eu nunca vou poder ser um professor de matemática:
aluno: Professor! Será que a gente vai usar essa álgebra algum dia?
professor: Você não. Mas talvez uma das crianças espertas use.
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Bom, nessa discussão acho que é importante se dar conta que a utilidade de aprender algo tem diferentes níveis. O mais básico tem a ver com você precisar usar aquele conhecimento diretamente na sua vida, como por exemplo aprender a ler e a escrever: você lê e escreve o tempo todo, independente da sua área. Num nível um pouco mais acima, aprender um pouquinho sobre diferentes áreas te ajuda a ter uma visão menos alienada sobre o mundo em que você vive e te dá algumas ferramentas básicas que te permitem escolher mais conscientemente pra que lado você quer ir na vida. Existe ainda um outro nível, que tem a ver com as capacidades que você desenvolve quando aprende algo, mesmo que não use aquilo diretamente na sua vida.
Vamos então ao primeiro nível, aquele em que você usa diretamente o que você aprendeu. Muita gente acha que a maior parte do que aprendemos no colégio não entra aqui, mas isso não é necessariamente verdade. Um dos problemas é que as pessoas normalmente não aprendem suficientemente bem os conteúdos a ponto de conseguir usá-los diretamente no seu dia-a-dia. E se você não aprende a usar certas ferramentas, talvez você ache que não precisa delas e acabe encontrando maneiras bem menos eficientes de fazer o que elas fariam por você.
- Não, obrigada!
- Nós estamos muito ocupados.
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Outro ponto importante (e não vou nem entrar na questão de certos conhecimentos em física serem importantes pra evitar alguns acidentes) é o problema da propagação de pseudociências, que ganha muita força com a ignorância da população inclusive em conhecimentos básicos de ciência. Os shampoos de íons ou DNA vegetal (íons são apenas átomos que perderam ou ganharam elétrons em reações, e DNA vegetal só significa que colocaram alguma planta no shampoo), a meditação quântica (ou pensamento quântico
Bom, como comentei, esses problemas estão relacionados ao primeiro nível de utilidade de um conhecimento, aquele em que você usa diretamente o que aprendeu. Mas é interessante notar que eles não se resumem a esse nível. Quando você não aprendeu coisas básicas sobre como o mundo funciona, você se torna uma presa muito mais fácil de idéias distorcidas da realidade, inclusive charlatanismo. Além disso, eu arriscaria dizer que a chance de você viver numa bolha é maior. Você não conhece o universo de possibilidade que existem por aí. Você não conhece o passado, não faz idéia como funciona toda a tecnologia que você usa, ou como o seu corpo funciona. Fico chocada com as noções distorcidas que as pessoas tem de matemática, por exemplo, e do que se pode fazer com ela. A maioria das pessoas acha que matemática se limita a fazer contas com números, sendo que toda a tecnologia que temos vem de princípios matemáticos. Agora imagina se as pessoas fossem direcionadas desde cedo para áreas específicas, não aprendendo conhecimentos mais gerais? E se as pessoas quisessem mudar de área em algum ponto? Além de isso dificultar bastante a migração de pessoas entre diferentes áreas, dificultaria também (ainda mais) a comunicação entre essas áreas e as pesquisas interdisciplinares (escrevi sobre interdisciplinaridade nesse post).
Além desse nível, a questão das capacidades que você desenvolve durante o aprendizado é extremamente importante. O raciocínio objetivo e lógico que você exercita quando está aprendendo matemática e física, por exemplo, poderia ser extremamente útil em outras áreas, e é uma pena que as pessoas usem isso tão pouco. Já vi tantas regras, em diversos contextos, que massacram o pensamento lógico num nível que dói no fundinho da alma. Outro problema que surge por causa da falta de raciocínio lógico são as famosas falácias, que são basicamente argumentos baseados em erros lógicos, e são tão frequentes que existe toda uma classificação, separando em categorias as falácias usadas em discussões, mas esse assunto fica para um próximo post.
Uma das coisas que aprendemos em alguns cursos de graduação das exatas é o Cálculo Diferencial e Integral (e para aprender isso você precisa ter aprendido funções, incluindo como resolver báscara, no colégio). O Cálculo foi descoberto por Newton e Leibniz, independentemente, no século 17, e é extremamente útil para trocentas mil coisas. A maior parte dos modelos matemáticos que usamos para descrever comportamentos e fenômenos em geral envolve coisas que aprendemos nessa área. No cálculo diferencial basicamente descrevemos variações infinitamente pequenas de coisas (como a velocidade instantânea, por exemplo). E no cálculo integral somamos essas variações, então podemos, por exemplo, saber qual é a área embaixo de uma curva em um gráfico. Infelizmente esse tipo de coisa não é ensinado em cursos de medicina, por exemplo. Mas afinal, por que alguém da medicina precisaria de cálculo?? Bom, em 1994 uma pesquisadora de medicina publicou um artigo em que ela descreve um método que ela desenvolveu pra calcular a área embaixo de certas curvas metabólicas. O método que ela "inventou" (que inclusive levou o nome dela) foi basicamente uma versão rudimentar do cálculo (descoberto há séculos atrás!). Como eu disse antes, se você não aprende a usar certas ferramentas, talvez você ache que não precisa delas e acabe encontrando maneiras bem menos eficientes de fazer o que elas fariam por você. Dito isso, parabéns pra ela por ter tido essa idéia.
Um último comentário que acho importante colocar aqui, é que não acho que o currículo e a maneira como os conteúdos são ensinados no colégio sejam perfeitos. O ensino básico no Brasil tem um monte de defeitos (inclusive a falta de apoio, em todos os níveis, aos professores). Parte desses problemas talvez venha inclusive da era industrial, em que o foco era gerar trabalhadores de "linha de montagem". Mas isso não significa que os conhecimentos que você aprende no colégio são inúteis.